sexta-feira, 12 de julho de 2013

A MÚSICA NOS PALCOS DO CINEMA EM MANAUS



Você sabia que o cinema também era um espaço de apresentação de cantores nacionais e era uma “escola de música” para os artistas locais?
Isso mesmo!
No início do século XX era comum as orquestras participarem das aberturas do cinema; já na década de 1960 era comum os artistas dos filmes musicais se apresentarem nos palcos dos cinemas e o artista local reproduzir nos clubes o que via no filme.
As casas de cinemas como Cine Ypiranga, Cine Odeon e Guarany se tornaram uma grande novidade e ponto de encontro entre os jovens para festas ou grandes feriados. Nesta época, havia sessões de cinema ao ar livre em comemoração as datas de aniversário dos cinemas.
O cinema virou palco para os grandes artistas que participavam dos filmes musicais brasileiros. O artista que participava de filmes musicais também se apresentava no cinema.  Não somente era o ato de cantar, mas se fazia nos palcos do cinema o que era feito nos filmes musicais.
Orlando Dias (1923-2001) foi um exemplo de cantor popular que se apresentava nos cinemas pelas suas performances diferenciadas: além da bela voz, utilizava os gestos e as expressões faciais.
Orlando Silva era um talentoso cantor, foi o grande cartaz da daquela época em todo o Brasil, um cantor consagrado que interpretava o que cantava: um artista completo que no palco ria, chorava, ficava de joelhos, fazia promessa, acendia vela, cravava um punhal no peito... e morria, assim era sua interpretação com muita performance. Ou seja, um cantor que se influenciou pela voz de Francisco Francisco Alves (1898-1952) e a interpretação de Silvio Caldas (1908-1998).
Toda esta característica performática nos faz analisar que a interpretação musical era bastante expressiva tanto na voz quanto nos gestos, era muito utilizada nos filmes musicais.
A vinda desses cantores que se apresentavam nos cinemas e/ou fazia parte dos filmes musicais favoreceu que artistas locais fizessem o mesmo que Orlando Dias fez quando juntou a voz e a interpretação de cada cantor que estava em sucesso.
O cinema, então, passou a ser um local de aprendizado musical: era participando das sessões de cinema que o artista aprendia a tocar no instrumento musical as músicas de sucesso, como o violão, a guitarra e a bateria, e também aprendiam as performances dos artistas nacionais e internacionais.
O cinema foi uma forma de divulgação da música. Os filmes americanos estavam no auge e neles sempre passavam as cenas dos cantores ou dos grupos, como por exemplo, os filmes que constantemente eram projetados com a participação de Elvis Presley, dentre eles: Love Me Tender, Loving You, Jalilhouse Rock (1957), King Creole, G.I. Blues, Blue Hawaii, Wild in The Country, Kid Galahad, Follow That Dream, Fun In Acapulco (1963) - O Seresteiro de Acapulco (BR), Viva Las Vegas (1964) - Amor a toda velocidade (BR), Roustabout. E The Beatles dentre eles A Hard Day’s Night (1964), Help! (29 de julho de 1965), Magical Mystery Tour (1967), Let It Be (1970), além de gravarem a trilha sonora do desenho animado Yellow Submarine (1968).
Em Manaus, os artistas que começavam a formar bandas ao formato americanizado de Beatles ou quem faziam dublagem para se apresentar nos clubes como laser e divertimento, tinham que assistir sessões e mais sessões de cinema, para aprenderem os trejeitos dos artistas e aprenderem a tocar a música que estava sendo sucesso. Essa freqüência constante estava associada a uma reprodução das músicas nas festas dos clubes da cidade.
Parafraseando Azancoth (2000) “uma tímida juventude transviada ensaiava tímidos passos de rock durante a exibição de ‘O Balanço das Horas, no Cine Odeon”.
O cinema teve sua contribuição referente a visualização da imagem do artista apresentado, um local apropriado para aqueles que dublavam nos clubes e os que se apresentavam como cantores do rádio.

Hoje, o cinema além de apresentar as produções cinematográficas, também nas telas são apresentadas as grandes Óperas, ao vivo ou gravadas, como “Otello” do compositor italiano Giuseppe Verdi, “Elixir do Amor” de Gaetano Donizetti, enfim, novos espaços, novas técnicas e outros pensamentos.

domingo, 30 de junho de 2013

O TEATRO AMAZONAS NA DÉCADA DE 60



O imponente Teatro Amazonas recebia celebridades internacionais, eram artistas de grande potencial artístico, reconhecidos mundialmente, realizavam recitais no Teatro Amazonas e retornavam anualmente para Manaus, como Sarita Montiel, Blanca Bouças,  Tenor Pepes Del Palucci, o Conjunto Câmara Orpheus e o pianista Frederic Egeer e o piniats amazonense Arnaldo Rebello
 O tenor italiano Pepes Del Palucci que, frequentemente, realizava concertos líricos no Teatro Amazonas.(O Jornal, 28 out.1965). Blanca Bouças além das apresentações na cidade, num gesto nobre promoveu um festival no Teatro Amazonas em benefício as entidades assistenciais, se tornando uma das promotoras e representantes da Casa do Amazonas na Feira da Divina Providência no Rio (Jornal do Commercio, 21 de julho de 1965);
O pianista amazonense Arnaldo Rebello de grande prestígio nacional e internacional, iniciou seus estudos no piano muito cedo, transferiu-se para o Rio de Janeiro no curso Superior de Piano do Instituto Nacional de Música, estudou em Paris. Em 1953 tornou-se Docente Livre e, em 1958, Professor Catedrático da Escola Nacional de Música da Universidade do Brasil. Durante suas vindas a Manaus na década de 1960 sempre recebeu homenagens e apresentava-se no Teatro Amazonas. Em suas vindas a cidade de Manaus sempre tocava ou era homenageado no Teatro Amazonas.
Além das programações internacionais, o Teatro Amazonas também apresentava programações de artistas locais como o Coral João Gomes Junior sob a direção do Maestro Nivaldo Santiago.
Uma característica interessante a salientar é que além das programações artísticas organizadas pelo Teatro Amazonas, era possível também, sediar eventos promovidos pelos políticos, militares e pelas rádios locais.
Esses eventos contavam com a presença de artistas amazonenses, como o pianista Arnaldo Rebello. Era frequente ter homenagens ao governador e personalidades políticas, como por exemplo, na promoção das Rádios Baré, Rio Mar e Difusora promovendo a festa no Teatro Amazonas em homenagem a data de aniversário da cidade e dedicada ao governador no primeiro ano de seu mandato no Amazonas, conforme a notícia no Jornal do Commercio, 22 de novembro de 1964: O Teatro Amazonas viverá uma noite de gala para homenagear o governador Arthur Reis, o presidente da Assembléia Legislativa, deputado Ruy Araújo, e a senhora Maria da Lourdes Freitas Archer Pinto, diretora do O Jornal e Diário da Tarde. [...] A referida festa artística será um presente dos cantores amazonenses para as personalidades citadas e terá o alto patrocínio do comercio local.
O Teatro Amazonas apresentava uma programação diversificada tanto da música clássica com cantores líricos, grandes pianistas internacionais e nacionais, quanto as programações mais populares e homenagens realizadas pelas emissoras.
O cotidiano da vida musical em Manaus, nesse período, não se restringiu somente às programações no Teatro Amazonas. Os clubes recreativos da sociedade manauara contribuíram fortemente para o desenvolvimento da cultura musical.
Eram nos clubes que aconteciam as festas e os bailes populares para a grande massa da população e onde as pessoas ouviam e se divertiam ao som dos grandes sucessos nacionais.

A próxima Maraka mostrará esta atividade musical que eram feitas  nos clubes da cidade, onde fervilhava as músicas de sucesso ao som da eletrola, das dublagens ou das bandas que estavam surgindo ao som da Jovem Guarda, dos Beatles e de Elvis Presley.
Tenor pepes del Pallucci em apresentação no Teatro Amazonas, Jornal do Commercio 28.10.1965

Pianista amazonense Arnaldo Rebello 

A VIDA MUSICAL E SOCIAL EM MANAUS NA DÉCADA DE 1960


A Coluna Maraka inicia o ano de 2013  com grande satisfação e alegria em poder compartilhar dos estudos feitos sobre a nossa música amazonense. Vamos discutir sobre a história da música no Amazonas na década de 1960 e pontuar os principais espaços musicais.
Hoje apresento os espaços culturais e musicais onde a música circulava e era apreciada pela população a partir dos gostos musicais formados.
Em Manaus a vida musical na década de 1960 ocorria nos balneários, nas programações artísticas no Teatro Amazonas, nos clubes, nos cinemas da cidade e nas principais Rádios como a Baré, Difusora e Tropical.
Para entendermos um pouco sobre a música na década de 60, é necessário conhecer como era o divertimento da década de 50. Desde a década de 50 o cenário cultural era marcado pelas programações realizadas nos balneários: o domingo era esperado com muita ansiedade para festejar o final de semana. As festas referiam-se aos encontros nos balneários próximos da cidade. Eram nos igarapés que os encontros e as festas aconteciam, lugares requisitados pela família manauara.
A década de 1950 havia uma forma de divertimento que era o desfrutar dos balneários ao longo do Rio Negro, as praias que surgiam durante a seca; o mês de junho com o Festival Folclórico onde competiam quadrilhas e bumbás que mobilizavam a população para prestigiar o grande evento e, também, as festas religiosas.
Entretanto, esta forma de divertimento se perdurou até meados da década de 60, assim Manaus continuou sendo uma “cidade balneária”, termo dado por Alvadir Assunção no livro Manaus de 1920 -1967: a cidade doce e dura em excesso, autoria de José Aldemir Oliveira, 2003.
Assim a vida musical em Manaus na década de 60 vai sendo construída nos diversos espaços musicais que foram surgindo na década de 50. Cada espaço apresentou uma história musical da cidade de Manaus. Por exemplo, as casas de cinemas como Cine Ypiranga, Cine Odeon e Guarany se tornaram uma grande novidade e ponto de encontro entre os jovens para festas ou grandes feriados. Nesta época, havia sessões de cinema ao ar livre em comemoração as datas de aniversário dos cinemas.
As formas de se divertir e as programações culturais eram os passeios pelos parques, as idas aos balneários, a ida aos cinemas para assistir a filmes musicais, as dublagens que eram feitas nos clubes com muito glamour as quais eram aprendidas a partir do que aprendiam nas telas do cinema e nas ondas do rádio, os grandes solistas e instrumentistas que se apresentavam no Teatro Amazonas e as festas das Rádios com seus castings de artistas.
Apesar de cada um ter uma função cultural específica eram esses locais que promoviam e desenvolviam o circuito cultural e musical em Manaus na década de 60. Apresento no decorrer das colunas deste ano cada cenário musical, seus artistas e atividades musicais que a música em Manaus se desenvolveu e podermos montar um mosaico sonoro para compreendermos o que produzimos de música hoje.

DAS ORQUESTRAS PARA AS BANDAS - UMA CRONOLOGIA DA NOMENCLATURA MUSICAL NOS ANOS 60


Além dos filmes tocados nos anos 60 nos clubes de Manaus como Hi Fi e as tertúlias dançantes, haviam também as orquestras que eram contratadas para tocar nos bailes e nos carnavais de Manaus.  
Uma breve cronologia ode ser feita para visualizar como era a organização da música popular em Manaus e também podemos perceber o desenvolvimento dessa música a partir do formato que esses grupos musicais eram divulgados e conhecidos na cidade: de 1960 a 1964 as atrações nos jornais se apresentavam como RITMO  E ORQUESTRAS; de 1964 a 1966 as atrações se intitulava ORQUESTRAS, mas levavam o nome do pricniapl membro do grupo; a partir de 1966 não se apresentavam como ritmos ou orquestras mas com o nome do próprio cantor, da banda ou conjunto.
Apesar do nome, as orquestras que se apresentavam em Manaus, não eram como as grandes orquestras de jazz que se apresentavam no país sob influencia do jazz norte-americano entre as décadas de 20 a 50 até mesmo o fim dessas grandes orquestras foram em 1946 no Brasil, com o término dos cassinos e a decadência do rádio.
O significado de orquestra neste período era a a formação de um grupo, no máximo 10 pessoas, cada um tocando um instrumento, com nomes bem dinâmicos, mostrando através deles suas possíveis influencias rítmicas como é o caso da Orquestra Euterpe Jazz, Orquestra Os Musicais ou a Orquestra Os Brasileirinhos, mas nem sempre tocavamo que o nome da orquestra simbolizava.
Segundo Noval Benaion, que iniciou suas atividades musicais nese período, disse que Orquestra na década de 1960 não era como o formato das orquestras que existe hoje, antes se chamava de Orquestra: "eu diria que orquestra nessa época não havia nao como se conhece hoje. Eu lembro que se chegasse a 10 músicos na época era muito. Você chama de banda normalmente o que se chamava de orquestra, mas não na concepção que a gente conhece hoje. Hoje uma orquestra com 30 componentes ainda é uma big band.
O músico Adelson Santos relata que "não eram grandes orquestras, a formação era uma guitarra, uma bateria, dois saxs, contrabaixo, isso se chamava de orquestra. Era um pequeno grupo de 5 a 6 pessoas, não era orquestra não, nessa época não tinha isso".
Podemos enfatizar que as chamadas orquestras não erma Big bands, o nome era praticamente uma forma de dar certo marketing e status ao grupo, como a Orquestra Os Musicais que permaneceu mais tempo no cenário artístico.
Entre o período de 1960 a 1963, as orquestras tinham a função de animar os carnavais nos clubes de manaus como a Orquestra da Polícia Militar do Estado, a Orquestra da Polícia Civil, Orquestra Euterpe Jazz, a Orquestra Os Brasileirinhos, Orquestra Peter Pan, a Orquestra os Indiabrados Indianos; ou animar as festas e boates dos diversos clubes como a Orquestra A Melhor da Cidade, Orquestra Novidade Musical, Doda e seu Ritmo e Orquestra Caçula do Ritmo.
O próprio nome das Orquestras define suas habilidades musicais e para qual tipo de festa era apropriada.
A partir de 1964, um novo formato de organização musical começa a aparecer, ao mesmo tempo, a TV começa a ser inserida em Manaus e as rádios estão cada vez mais consolidadas.
Nota-se essa mudança pela forma que se apresentam nos jornais, não mais como ritmo dançante e, apesar de ainda levar o nome de orquestra, passa a se intitular pelo nome do principal componente desse grupo como: Orquestra de Fernando Borges, Domingos Lima e seu conjunto, Conjunto Julio Alves, Orquestra Pedroca e seus Batutas.
Em outubro de 1964, a Rádio Baré a partir dos anseios dos músicos da capital, resolveu criar uma Orquestra, no caso, a Orquestra Tropical, que era uma Orquestra para tocar nos programas das Rádios, como o programa Night and Days da Rádio Baré apresentado por Little Box: Os músicos de nossa capital congregando-se todos num só bloco e formaram a Orquestra Tropical, visando preencher uma lacuna até então existente em nossos meios sociais, pois os clubes citadinos, de maior gabarito, é claro quando programavam uma festa de gala,  eram forçados a importar orquestras do sul do país para deleitar seus associados com músicas bem interpretadas, com ritmos exuberantes. (Jornal do Commercio, 21.10.1964)
A Orquestra The Good Boys, a partir de 1965, foi um marco divisório de uma nova formação musical na cidade, foi o primeiro grupo de formação com características de grupo de rock’n roll, tendo uma formação de 5 pessoas, um mesmo formato de uma banda inglesa: era um sax, guitarra, bateria, contrabaixo e um cantor.
Apesar de ter o nome do grupo em inglês, não tocavam rock’n roll, mas muito bolero, aproveitaram essa onda do rock’n roll para fazer marketing.
Há uma clara mudança de nomenclatura durante esta década: RITMO, ORQUESTRAS, CONJUNTOS e as BANDAS que serão definidas a partir de 1965 com a chegada da Jovem Guarda e o surgimento de novos artistas no cenário musical: a maioria jovens de classe média e baixa da cidade, concomitante a uma nova política de desenvolvimento da cidade.
Banda The Right´s 1967.

MANAUS MANAUS MANAUS!!!

Outubro é o mês do aniversário da cidade de Manaus, 24 de outubro de 1669, marca a elevação do Forte de São José da Barra do Rio Negro e, em 1848, na mesma data, da Vila de Manaus à categoria de Cidade. Cada ano que passa a cidade de Manaus se reinventa entre prédios, asfaltos e árvores centenárias cortadas.
Ainda bem que existe a música para registrar os sentimentos e emoções de cada período desta cidade. Ou província? Enfim... Entre muitas histórias de seu aniversário, escolhi a do ano de 1969, quando Manaus completou 300 anos, tricentenário da cidade.
Neste ano, Manaus estava em pleno desenvolvimento econômico. Segundo Genesino Braga (jornalista, cronista, professor universitário e ocupou a cadeira 19 da Academia Amazonense de Letras) relatou no Jornal do Commercio, 30 de março de 1969, que a “Revolução de 1964 trouxe os surtos de progresso que aí estão aos olhos de nós todos”.
E para comemorar todo esse progresso que, naquele momento, progresso significava abrir estradas para a modernização, ocupação do território e a expansão econômica do Amazonas através da Zona Franca, dois momentos importantes foram realizadas no decorrer do ano de 1969: a escolha da canção do tri e a gravação de canções pela famosa cantora Maria Lucia Godoy.
A escolha da canção do tri foi realizada desde fevereiro de 1969, pela União Esportiva Portuguesa: seria uma canção que simbolizasse os trezentos anos da cidade de Manaus, em “ritmo de marcha ou marcha-rancho” (Jornal do Commercio, 25 fev. 1969) uma “música-símbolo” (Idem), e ganharia repercussão nas rádios do Brasil.
A música vencedora foi “Manaus Saudade”, os autores se apresentaram com os pseudônimos de Cosme e Damião, mas na verdade, os compositores eram os professores Dirson Costa e Alfredo Fernandes: “Manaus/minha cidade/meu jardim de tantas flores/onde a felicidade é feliz com tantas cores/Manaus de outras cantigas/e das casas de azulejo/lembra canções bem antigas/e as valsas dolentes de um realejo. Manaus que saudade/Manaus que saudade/na tormenta das recordações/Manaus vive agora/nas belezas de outro clarão/fazendo trezentos anos/mas é bem criança no meu coração”.
Se tivéssemos o registro fonográfico desta canção, poderíamos dar um presente ao patrimônio musical da cidade e reviver os tempos do tricentenário.
Outro acontecimento importante foi a gravação de um vinil pela mais famosa cantora do período, de prestígio internacional e considerada a mais bela voz do Brasil, Maria Lucia Godoy, através da Fundação Cultural do Amazonas. O disco de longa duração foi intitulado “O Canto da Amazônia” e gravado no Museu da Imagem e do som, no Rio de Janeiro, chamado no período por Guanabara.
O disco reuniu compositores que cantavam a alma amazônica: “Acalanto da Rosa” (Cláudio Santoro e Vinícius de Moraes), “Luar de meu bem” (Cláudio Santoro e Vinícius de Moraes), “Pregão da Saudade” (Cláudio Santoro e Vinícius de Moraes), “Menina dos olhos verdes” (Pedro Amorim, Jorge Tufic), “Toada Baré” (Arnaldo Rebello), “Mão d´água” (Guerra Peixe), “Cantos de Cairé” (arranjos de Villa Lobos), “Foi Boto Sinhá” (Waldemar Henrique, Antonio Tavernard), “Cobra Grande” (Waldemar Henrique), “Tambatajá” (Waldemar Henrique), “Matinta Pererê” (Waldemar Henrique), “Curupira” (Waldemar Henrique), “Manhá-Nungara” (Waldemar Henrique), “Murucututu” (recolhido por Mario de Andrade com harmonização de Aloisio de A. Pinto), “Cabocla Bonita” (idem). O lançamento foi acompanhado ao vivo por Turíbio Santos, considerado o maior violonista do Brasil (Fonte: Jornal do Commercio, 21 dez. 1969).
Esses momentos marcaram e simbolizaram o tricentenário da cidade de Manaus e que são patrimônio musical que devemos preservar e não deixar a memória histórica musical ser esquecida.
Hoje como cantaríamos nossa cidade? Que melodias estamos entoando para representar sua identidade sociocultural? Nada contra o “dois pra lá e o dois pra cá” para comemorar seu aniversário, haja vista que reuni uma multidão e é uma festa cheia de energia, mas a cidade também é poesia, é canção, é arte, é tecnologia. A cidade merece ser cantada de outras formas: de muitos amores e esplendores!!!

Quem viu você, não pode mais esquecer, Quem vê você, logo começa a querer. Manaus, Manaus, Manaus, minha cidade querida. Manaus, Manaus, Manaus és a cidade sorriso, esperança da nossa Amazônia. (Áureo Nonato, 1965)

O CANCIONEIRO AMAZÔNICO II

Como já dizia Euclides da Cunha em suas viagens pela Amazônia sobre este paraíso perdido: “nos meios-dias silenciosos, porque a noite são fantasticamente ruidosas”. A quantidade de sons que emerge no meio da noite, vira música nas inspirações de nossos compositores, que traduzem esta paisagem sonora em canção retratando a vida sonora da floresta, expressando através da música as belezas da natureza que clama pela sua preservação e narra as histórias reais, os mitos e as lendas presentes no dia-a-dia da Amazônia.
Cantar a Amazônia já faz parte da temática do cancioneiro amazonense: a fauna e a flora, a relação homem, cidade e a natureza, a cultura ribeirinha e a linguagem cabocla dão o tom nas composições e nas interpretações das canções dos compositores.
Estes aspectos são as características das letras nas músicas de artistas em Manaus que podemos encontrar representados no cotidiano da cidade, na vida do ribeirinho e nas belezas da natureza. Podemos elencar alguns trechos de músicas que representam estas características do canto da Amazônia:
Os que cantam a flora e a fauna retratam a natureza, os animais, o balanço do banzeiro, o verde das matas, enfim, como o trecho da música do grupo Raízes Caboclas: “Amazonas moreno, tuas águas sagradas, são lindas estradas, são contos de fadas, oh meu doce rio, a canoa que passa, o voo da garça, as gaivotas cantando em ti vão deixando o gosto de amar..”,  ou retratadas nas poesias de Celdo Braga “[...] nas vazantes borda praias onde o rito se desova, aninha nos tabuleiros tartarugas tracajás. E no ciclo das areias a vida eclode apressada pra ser de novo tocada pelo compasso do rio [...].”
A relação homem, cidade e natureza enfatiza o amor por esta terra e o cuidado que devemos ter para preservar, há um forte sentimento de pertença, de orgulho e de preservação. Chico da Silva canta esses sentimentos de pertençacom as coisas tão puras, tão minhas [...] tudo isso te faz com que eu não te deixe”; Adelson Santos pede pela preservação “não mate a mata, não mate a mata, a virgem verde bem que merece consideração”; Torrinho nos faz sentir orgulho e dizer que Manaus “que nunca serás Liverpool, com a cara sardenta e olhos azuis”. São sentimentos que enfatizam o cuidado do filho da terra, como relata Lucinha Cabral: “sou caboquinha, da pátria d’água com muito orgulho e farinha, sou poesia, cunhãtabim, disse o poeta maluco, olho d’água, pedaço de mim.”
Um aspecto a salientar é a vida do ribeirinho nas composições, dos costumes aos hábitos que o homem ribeirinho possui para sobreviver em harmonia com a natureza, como na canção de Ketlen Nascimento: “A canoa navega sobre as águas com o caboclo na proa a seguir, e o canto dos pássaros entoa sinfonia que alegra o curumim, o uirapuru que rege a melodia com o canto perfeito de se ouvir!! E os mistérios que adentram as florestas que, o ribeirinho conta com prazer, ao seu filho ensina os valores que a natureza tem a oferecer...”
A linguagem cabocla se refere às palavras regionais que são normalmente faladas no cotidiano como leso, pitiú, baré,  bem ali, tucupi, enfim, palavras que se tornam expressões como leseira baré, a mais falada. Nicolas Junior faz um estudo dessas palavras em sua canção O Amazonês: "espia maninho, eu sou dessas paragens, das banda de cima do lado de cá, eu não sou leso, nem tico bodó, mas boto no toco se tu me triscá" (marrapá)
Estes quatro aspectos retratam o cancioneiro amazônico no que diz respeito a letra: enfatizando as características presentes nas canções - de uma poética rica em elementos da cultura amazônica e de valoração da identidade cultural.
A voz do homem, então, se torna um prolongamento dos cantos da natureza, uma forma de manifestar seus anseios diante de um paraíso sublimar e uma forma de expressar a sua própria essência amazônica, de amor, de pertencimento e de valorização à terra. A Amazônia que cantamos é como a vimos e como a desejamos: nas formas de vida do ribeirinho ao homem da cidade, do ciclo da natureza àquilo que o homem se orgulha, preserva e pertence.

O CANCIONEIRO AMAZÔNICO

A Amazônia não é só cantada por suas belezas naturais, nossos compositores além de retratar em suas canções a fauna, a flora, a vida ribeirinha, a cidade e a floresta, cantam também a valorização do território desta geografia verde: a política e a economia deste paraíso perdido inserido num contexto nacional e internacional.
A poesia das músicas não é mais o rio que navega como estradas, o vento que corre nas matas, o encanto do canto do uirapuru, mas uma letra engajada, forte e destemida, uma letra que conta pedaços de nossa história sociopolítica e que ainda está presente no cotidiano amazônico, ou seja, a história se repete de diversos ângulos, por isso que não paramos de cantá-las, viram hinos no imaginário coletivo e passadas de geração em geração.
Algumas dessas canções viram hinos porque foram compostas em momentos políticos, na luta contra a internacionalização da Amazônia ou para sua preservação, letras cheias de metáforas, sarcásticas e politizadas. Temos três exemplos para demonstrar este tipo de cancioneiro amazônico, como exemplo: Porto de Lenha, Renovação e Amazônia.
A canção Amazônia foi composta por George Jucá, Antonio Nápoles e Miguel de Souza, cantada pelo grupo A Gente, na década de 1970: Ama, ama Amazônia, vamos, vamos, vamos desmatar, com este matagal, matamos os animais, matamos os vegetais, Amazônia esterelizar. É uma letra bastante destemida e sarcástica, pois em vez de pedir para preservar, a letra pede para matar a Amazônia e esterelizar, é uma forma de chamar a atenção para os fatos do momento: o desmatamento da floresta para o progresso econômico e político do país.
Renovação foi composta por Candinho, uma canção da década de 80, final do regime militar, época que os jovens saíram nas ruas para cantar a liberdade de expressão, de comunicação, a democracia, “esse grito sufocado na garganta sem sair”. Foi uma época dura, onde muita coisa era proibida, momentos sangrentos e sufocantes. Enquanto isso o povo dizia que era “hora de jogar as coisas velhas fora desse quarto, tomar nas mãos o leme desse barco... contar de novo a história como há muito tempo não se houve mais... andar de braços dados, levantar as mãos.  Esta canção é bastante significativa e simbólica no período, ela canta  e conta a história do período do regime militar, entretanto, ainda é preciso cantá-la sempre, pois é uma canção atemporal, pois nos dias de hoje é sempre preciso “bater na mesma nota e na mesma canção...um desejo sem medida e paciência”.
Porto de Lenha foi composta na década de 1970 por Torrinho, é a mais pedida ou nem precisa o público pedir, o próprio artista já canta: Porto de Lenha tu nunca serás Liverpool com a cara sardenta de olhos azuis. Mas cantamos porque conhecemos seu significado histórico ou porque nos satisfaz cantar? Porque ainda a cantamos depois de três décadas que ela foi composta? Porque alguns artistas ou público não gostam mais de cantá-la?
 Será que Manaus nunca será Liverpool depois de 2014? Enfim, são alguns questionamentos que nos fazem refletir sobre o momento histórico para qual ela foi composta e, nos dias atuais, refletindo em nossa cidade e a canção ainda permanece.
São exemplos de canções com uma poética mais engajada. Contudo, ta faltando, atualmente em nossa cidade, artistas engajados como Torrinho, Candinho, o Grupo A Gente que, foram em suas épocas, jovens artistas que cantavam a sua própria história e da cidade.

Hoje existem muitos músicos e “músicos” e embora sejam em outros contextos históricos também temos mais problemas sociais e políticos, mesmo assim, poderíamos ter uma representatividade artística que não cantasse somente o verde da floresta, não basta apenas reproduzir o que já se ouve nas rádios, é preciso expressar, sem medo, as facetas de nossa sociedade manauara e nada melhor do que a arte para cantar os problemas que se escondem por detrás da mata.

O JAZZ EM MANAUS

A escuta e o gosto musical dos anos 60 em Manaus foi totalmente influenciada pelos ritmos americanos como o Fox blue, o Be-Bop, Blue Swing, Foxes-Trotes, Bolerões, Canções Francesas e o jazz americano. Esses ritmos chegavam através das Rádios, dos Cinemas e das compras de Lp’s fora da cidade de Manaus por pessoas que viajavam e traziam as novidades como Joaquim Marinho, Altair Nunes e Little Box, e pelas gravadoras Phillips, Chantecler, RCA, CBS, Copacabana.
Na notícia do Jornal do Commercio de 17 de abril de 1966, em um texto de Anver Bilate (Escritor Brasileiro da década de 1960) intitulada Estranho mundo do jazz I: Em toda a parte do mundo ritmo bebop, trata sobre o jazz e suas receptividades nos países como Gana na África, a Rússia, Paris e os Estados Unidos. Anver Bilate discursa no texto que “ao lado de todas as contribuições norte-americanas a alegria e a felicidade universal, o jazz, é sem dúvida, uma das mais notáveis que provoca um real estado de alma”. Enfatizou que o ritmo ainda era classificado de submúsica. Em suas palavras, os “puristas exagerados” ou os “moralistas de tipo vitoriano” consideravam o jazz uma música “nociva e corruptora da juventude”, mas para ele “a verdade, porém, é que o jazz emana do povo e tem por essa razão um calor humano que contagia e faz amigos em qualquer lugar”.
Toda essa escuta e esse gosto musical produzido pela música americana,  estava presente na vida social e musical na cidade de Manaus.
Não diferente foi em Manaus: foi muito forte a americanização desde o fato da internacionalização da Amazônia aos ritmos que eram tocados nos clubes mais sofisticados da cidade e posteriormente na formação de bandas ao molde de Beatles, como afirma Noval Benaion (2011), citando os ritmos mais presentes nas festas dos clubes: Os ritmos? Todos: Samba, bossa nova, jazz, rock, ié ié ié (uma evocação tupiniquim do rock dos Beatles, "She loves you yeah, yeah"). Se ia de Elvis, Beatles, Rolling Stones, I Dik Dik, entre alguns estrangeiros, Renato e Seus Blue Caps, Roberto e Erasmo Carlos, Tim Maia, Elis Regina, Jair Rodrigues, só para citar alguns.
Jefferson Peres citado por Mauro Menezes (2011, p.22) confirma essa americanização de ritmos: Tocava-se exclusivamente música romântica. Eram os Foxes-Blues americanos, como Summertime, Moonlight, Serenate, Mona Lisa. Blue Moon, Again, Tenderly,; ou os Foxes-Trotes como Cheek-to-Cheek, Tea for Two,; ou Bolerões do repertório de Pedro Vargas, Gregório Barrios e Luchio Gatica, ou ainda, canções francesas, como Les Feuilles, La Mer, La Vie em Rose, Douce France e J’attendrai. A Orquestra, ou conjunto, tocava em surdina e deslizava-se nos salões.
E foi assim que muitos jovens foram formando bandas, conjuntos ao som da música americana e da Bossa Nova considerada a filha do jazz.
Hoje, em Manaus, existem muitas bandas de jazz, ou seja, as bandas tem os instrumentos musicais básicos para tocar jazz que são a bateria, o contrabaixo, o violão, o piano, sendo o contrabaixo um instrumento indispensável para formar um conjunto de jazz.
Cito algumas bandas que fazem parte deste enredo histórico e estão deixando seu legado musical na cidade: Miquéias Pinheiro e grupo, Quinteto jazz Brasil, Sotaques in jazz, Blue Line, K-T-Drau Funk, Sexteto Máfia, Banda all that jazz, Bille Holiday,a Lady Day, Soda Billy, Curumin Jazz, Sotaque Jazz, Instrumental jazz Verde, Italo Jimenez e Quintet.
E não poderia deixar de citar as personalidades do jazz em Manaus atualmente: Régis Gontijo, Humberto Amorim que canta um repertório de jazz mais tradicional, Ítalo Jimenez,Leonardo Pimentel, César Serafim, Abner Viana, Stanley Wagner, Miquéias Pinheiro, Vanusa Gadelha, Karine Aguiar entre outros jazzisticos.
Mas é claro que as raízes do jazz não podem sere squecidas, mas também não vamos americanizar totalmente como foi na década de 1960, pois nesse período tudo que era bom era americano, e o que era regional, desprezado.
É preciso valorizar os artistas não só pelos talentos da nossa música em manaus, mas valorizar pela memória histórica que foi construída no decorrer dos tempos e se temos grandes artistas hoje, seja do jazz, do samba ou do canto lírico, é porque Manaus tem memória histórica que foi construída. Salve Maranhão, Domingos Lima, Orquestra Tropical, Fernando Borges, Hidinaldo Pererira, Pedroca e seu conjunto, Trio Itapoan, Trio Uirapuru, entre muitos outros artistas da nossa Música Popular em Manaus.

MÚSICA: MEMÓRIA E HISTÓRIA DA CIDADE

 Quando vi, lá estava ela: uma preciosidade aos olhos de um pesquisador... a partitura jogada no canto da Biblioteca, com teias de aranha e muito suja. De início não sabia o valor que ela tinha, hoje ela conta a história de nossa sociedade.” (Lucyanne Afonso)
Assim que ficamos conhecendo a história de muitos artistas de séculos passados: de um papel sujo que, a nossa percepção é sem valor no canto da Biblioteca, tem informações que podem descrever uma história social e cultural de uma determinada época.
É isso que muitos pesquisadores fazem.
    As fontes não são somente as orais, são as imagens, os vídeos, os documentos, as partituras, os escritos antigos. Por exemplo, os instrumentos musicais antigos que hoje temos conhecimento como a harpa, o alaúde, os tambores de guerra, címbalos, sistro (egípcios); a rabeca do poeta, o rabab, e o adufe (árabes); vina, címbalos, tambores e o ravanastron (indianos); king e tcheng (chineses); shofar, saltério, harpa, kerem e pratos (hebraicos), é porque documentos, medalhões, inscrições, papiros e baixo-relevos e citações de obras de grandes filósofos foram as fontes para se conhecer esse passado musical.
         O processo não vai ser diferente para outros séculos e épocas!
       Se hoje conhecemos a música barroca de Bach, as trovas improvisadas de Domingos Caldas Barbosa ao som da viola de corda de arame do século XVIII, as obras de Chiquinha Gonzaga, a música em Manaus no período da borracha, o Conservatório de Música Joaquim Franco em Manaus, Delfim de Sá o maior ícone da dublagem em Manaus na década de 1960, enfim, essas informações foram delineadas a partir de fatos mostrados por imagens, vídeos ou por um papel velho no canto da Biblioteca.
     Quem não quer conhecer a história musical de nossa cidade? Tem tanta coisa a pesquisar, a ser decifrada em todas as subáreas da música!!
        Conhecemos nossa cidade a partir do olhar de Djalma Batista, Márcio Souza, Thiago de Mello, Aníbal Beça, escritores e poetas consagrados em nossa região que delinearam uma história sociocultural de Manaus.
     Aproveito para colocar em cena o nome de pesquisadores que muitos desconhecem, mas que estão realizando um trabalho na academia para dar continuidade e não deixar a memória artística de nossa cidade ser esquecida, como Evany Nascimento (Patrimônio Cultural em Manaus); Mariana Baldoino (Teatro Amazônico), Lucyanne Afonso (Música Popular na década de 1960), Mauro Menezes (Narrativas Musicais de um grupo de artistas), João Gustavo Kienen (pianista Arnaldo Rebello), Priscila Pinto (artista plástica Bernadete Andrade), enfim, onde tem arte, tem artistas e tem pesquisadores.
    O artista vivencia, é a essência de tudo que ele experimenta de valores, hábitos, costumes e comportamentos; o pesquisador traduz tudo em conhecimento.
Parabenizo um movimento que se chama ABRE BIBLIOTECA, movimento que ganhou voz e que é composto por estudantes, comunidade, professores, pesquisadores. A Biblioteca de portas abertas é como se fosse um baú cheio de histórias para serem contadas, decifradas, pesquisadas e a história construída. Vamos ler, vamos escrever! Só assim adquirimos conhecimento: através da informação.

   
Caro amigo leitor, não jogue fora uma partitura antiga que encontrou no porão da casa, ou uma foto, ou as pinturas de um artista plástico desconhecido, ou a gravação em uma fita cassete de um cantor desconhecido. Nas mãos dos pesquisadores, isso tudo vira fato, vira história, se torna memória.

QUAL SUA PROFISSÃO? EU SOU ARTISTA

“Afina o instrumento rápido”, “Merda pra todos”, “Olha o retorno”, “Cadê meu figurino”, “Luz, câmera e ação”, “A estreia é hoje”
“TENHAM UM BOM ESPETÁCULO!!!”
Não poderíamos deixar de homenagear hoje, no dia do trabalho, o trabalhador das Artes em Manaus: da dança, do teatro, do cinema, das artes plásticas, da música, do circo, da poesia, da fotografia, enfim, de todos os artistas que tanto nos alegram, nos engrandecem de fantasia e de emoção, mas ao mesmo tempo, fazem da arte seu sustento e sua vida!
Viver de arte em Manaus, não é tão simples e nunca foi tão fácil assim assim ...! Como bem disse Stravinsky: 10% de inspiração e 90% de transpiração.Para um grupo de teatro ou de dança produzir um espetáculo, para um artista plástico fazer uma exposição ou grupo musical realizar um concerto, leva tempo, patrocínio e muito amor ao que se faz; todo o vislumbre que vemos no palco tem meses de preparação, de sacrifícios: ensaios, ensaios e mais ensaios, entre risadas, confusões, choros, interpretações, maquiagem, afinações, sapateados e ilusões, o que prevalece é a arte, é a estética apresentada, o que dá prazer ao artista e aos expectadores.
É... São coisas da profissão, é preciso disciplina e entrega...
Quisera eu ter o dom de um palhaço para provocar risadas; de um ator para nos deleitar entre o real e o irreal; de um músico para nos transportar as nossas lembranças com seus acordes; dos nossos olhos bailarem com a leveza de uma bailarina ou nosso corpo dançar com a firmeza do batidão; de poder pintar nossos pensamentos com texturas e cores.
Cito um trecho do poema de Glícia Manso Paganotto O ARTISTA: “[...] Ah! Mágicos do destino que a tudo transformam pela crítica ou não. Seríamos certamente mais pobres, se do mundo não nos dessem sua visão. [...] Entendê-los é uma pretensão, senti-los talvez não! Depende somente daquele momento mágico quando colocamos o sentimento acima da razão”.
Imagine um mundo sem arte, nem artistas...
Um mundo sem música, sem cor, sem poesia...
Seria assim como um homem sem alma. E assim construiremos palcos, cenários para viver nossos sonhos entre luzes brandas e músicas invisíveis!
“APLAUSOS, BRAVO, BRAVÍSSIMO!!!!!!!”





A ERA DA BOSSA NOVA EM MANAUS

O movimento Bossa Nova surgiu impressionando com a forma intimista de tocar o instrumento. Surgiu no final da década de 50, Tinhorão (1998, p.310) relata sobre o grupo de moços da zona sul que iniciaram este movimento: “quase todos entre dezessete e vinte e dois anos, resolveu romper definitivamente com a herança do samba popular, para modificar o que lhe restava de original, ou seja, o próprio ritmo”.
Os precursores da Bossa Nova foram João Gilberto, Tom Jobim, Carlos Lyra, Elizeth Cardoso, entre outros, que além da nova forma de tocar, tinha uma poética de humor, de exaltação da vida urbana, à mulher.
A Bossa Nova revolucionou o ambiente musical no Brasil, suas influências foram Be-Bop uma vertente do jazz norte americano. Augusto de Campos (1974, p.18) relata as influências que a Bossa Nova sofreu antes de afirmar em 1958: Cremos ser conveniente registrar as influências sofridas pela Bossa Nova da parte de outras manifestações musicais do populário estrangeiro. Dentre estas, destacam-se, no caso, direta ou indiretamente,, o jazz e o be-bop (concepção jazzística surgida mais recentemente).
Em Manaus, a Bossa Nova começa a ser escutada pela Rádio Nacional e os cantores começam a aprender as músicas para cantar nos programas de rádio em Manaus, enquanto isso os jovens estavam aprendendo a tocar Bossa Nova em seu violão. Adelson Santos, músico e compositor em Manaus, relata que a juventude que estava começando a aprender violão tinha que tocar Bossa Nova que era a música do momento: A Bossa Nova foi a minha, além desse pessoal da seresta, desse pessoal mais antigo, a Bossa Nova foi a segunda lição de vida do ponto de vista musical, eu era obrigado no bom sentido prazerosamente falando, e tinha que tocar Bossa Nova que era a música do momento. Eu sabia tocar todas aquelas músicas: O Barquinho, Samba de uma nota só, ela foi chegar em 1960 e foi ai que bebi essa fase.
Ou seja, essa geração de 1960, aprendeu muito com o som da Bossa Nova, mas ainda não tinha uma formação musical suficiente para compor ao estilo, ainda estavam dançando nas festas Hi-Fi nos clubes da cidade.
De acordo com Adorno (2011) “as famosas palavras-chave atinentes a sua fases, tais como swing, be-bop e cool jazz constituem a um só tempo slogans publicitários e momentos de tal processo de absorção” (p.105). Assim se deu a Bossa Nova em Manaus, através de slogans publicitários, de chamadas para festas ou representações de algo inovador.
Durante os primeiros anos da década de 1960, a Bossa Nova vai ser ouvida nas Rádios da cidade de Manaus e o nome BOSSA NOVA começa a ser usado em notícias nos jornais para simbolizar algo diferente, renovador: TESTARÁ HOJE O TIME “BOSSA NOVA” DO RIO NEGRO; QUERMESSE BOSSA NOVA NA PARÓQUIA DE APARECIDA; PROGRAMA EM BOSSA NOVA.
A Bossa Nova, em Manaus, vai ser representada em 1968, não pelos jovens que estavam ouvindo e aprendendo a tocar violão, pois estes já estão sobre a influência da Jovem Guarda, mas através de um cronista social chamado Luis Pinto, apelidado por Little Box, o “Caixinha”, que viajava ao Rio de Janeiro no período do carnaval e retornava com notícias da high society guanabara para serem divulgadas em seu programa radiofônico “Night and days”; trazia as novidades também musicais: LP’s de Chico Buarque, Tom Jobim, Vinícius de Moraes.
Little Box foi considerado, na época, o representante oficial da Bossa Nova no Amazonas, começou a interpretar as canções de Chico Buarque, Tom e Vinícius, vivenciando a própria letra da canção em suas performances, criando um conjunto “The Sinners” que o acompanhava nas suas interpretações performáticas no Barés Clubes, o clube mais prestigiado na cidade.
É preciso salientar que não era uma produção original da Bossa Nova, não era um compositor do estilo Bossa Nova em Manaus, era uma interpretação, uma performance das canções, daquilo que já estava se fazendo há 8 anos com a chegada e a explosão da Bossa no Brasil. Adorno (2002, p.40) resume esta diversão em reproduzir o outro, na forma de aprender as canções no cinema e no rádio e nos discos, como acontecia nos festivais de dublagem, e nas apresentações de Little Box: “É o que se vê já pelo fato de a diversão ser apresentada apenas como reprodução; cinefotografia ou audição de rádio”.
A outra referência que se tem é Fernando Borges e sua orquestra Bossa Nova, mas Little Box foi o principal divulgador da Bossa, motivando o gosto por esta forma de tocar e cantar e criando um público, formando platéia, fazendo a Bossa conhecida e ouvida, e num período em que a juventude manauense estava ao ritmo da Jovem Guarda e dos festivais, e os artistas sendo os próprios Beatles, Roberto Carlos e Erasmo Carlos.
Little Box, Jornal do Commercio,  28.09.1969.

Jornal do Commercio, 26.04.1964.

AS FESTAS HI-FI NOS CLUBES DE MANAUS

Como seria um som Hi-Fi? O que este som proporcionou à juventude da década de 1960?
Primeiramente vamos ao significado da palavra: em inglês quer dizer High Fidelity, traduzindo para o português Alta Fidelidade. Significava que o aparelho podia reproduzir sons fiéis à realidade.
Este aparelho eletrônico possibilitava a apreciação com clareza e sem interferências de ruídos. Eram com esses aparelhos que os clubes de Manaus faziam as boates, os bailes, o carnaval, as festas dançantes, podemos dizer que era a “sensação do momento”, algo inovador como as modernas caixas acústicas atuais.
Os aparelhos Hi-Fi eram amplificadores stereo com receptores FM, eram toca-discos e tape-decks independentes. Podiam ser colocados no carro ou utilizados nas festas dos clubes que eram constantes no início da década de 60. Foi a partir de seu uso nas festas dos clubes que passou a ser intitulado nos anúncios dos jornais como ritmo, divulgando que o ritmo daquela determinada festa era Hi-Fi, ou seja, um som de alto nível e qualidade que tocava os estilos mais dançantes, modernos e de sucessos das rádios.
As músicas que estavam no auge eram Rey Conif, da Vereda Tropical, os rock’s como Beatles, Elvis, The Fevers, os Pholhas, Trio Uiraquitã, Elizete Cardoso, Cely Campelo. As festas HiFi eram totalmente dançantes, eram jovens, senhoras e senhores, mas para os jovens tinham as manhãs de sol, os mingaus dançantes, a festa Moranguinho era no Ideal Clube que começava a tarde e encerrava umas 8 horas da noite.
O evento “Studio Disco” do Studio 5 é uma forma de você voltar aquela época, mas agora com Dj e todo aparato tecnológico sonoro, de retornar àqueles tempos dançantes ao som de um aparelho Hi-Fi, que determinou não somente a sua alta modernidade sonora como também tudo que era moderno se tornou Hi-Fi: discos de vinil Hi-Fi, ritmo Hi-Fi, até mesmo a bebida virou Hi-Fi: um drink feito de vodka, refrigerante de laranja e gelo. 
Além do ritmo Hi-Fi, existiam também as Tertúlias Dançantes que eram reuniões de amigos, familiares e associados dos clubes para não somente dançar, mas também discutir vários temas, não era tão contínuas quanto as festas Hi-Fi. Eram tardes dançantes nos clubes da cidade e com os nomes específicos de "mingau dançante" nas domingueiras vespertinas do Ideal Clube, e "papinha dançante" no Cheik Clube. 
O ritmo Hi-Fi permaneceu até meados de 1964, quando a partir desta data, um novo formato musical começa a emergir com a Jovem Guarda.

A VOZ FEMININA EM MANAUS NA DÉCADA DE 60

As Cantoras da Rádio Nacional, assim como outras, por exemplo: Angela Maria, Nara Leão, Sylvia Telles, emergiram a mulher no mundo da música no Brasil, considerando que não eram vistas com bons olhos pela sociedade da época.
Na Rádio Nacional havia as cantoras do Rádio: “Carmélia, o baião; Carminha, com sua voz de contralto, a fossa; e Ellen, com sua habilidade de soprano, não se fixava em um estilo nem gênero, mas tinha liberdade para cantar os clássicos e Violeta tinha o samba no corpo e na voz” (site do Estadão de São Paulo, repórter Luis Carlos Merten, 2009). Todas eram funcionárias da Rádio Nacional e sua função era cantar nos programas.
Em Manaus tivemos muitas artistas femininas que também eram funcionárias das Rádios e cantavam nos programas. Podemos citar poucos conjuntos e artistas femininas nesse circuito: o Conjunto Feminino “Musas do Ritmo” composto pelas seguintes senhorinhas: Felisbela Simões, Zelinda Simões, Doroteia Moreira, Terezinha Montefusco, Marly Inês, Linda Simões, Kay Francis e Clothilde Charomm. Cantoras que cantavam e eram funcionárias das Rádios Difusora, Baré e Tropical nos programas musicais como: Sebastiana Moreira, Shyrley Maria, Maria Aparecida, Katia Maria, Marlene Santana, Arminda Oliveira, Maria das Dores, a rainha da dublagem Eline Santana.
Destaca-se, entre esses nomes, a artista Katia Maria: entrou na Rádio Difusora em 1958, cantava no estúdio da Rádio e cantava na noite sem o pai saber que era ela, devido à mudança de seu nome.
Outros grupos musicais femininos estavam presentes no cenário musical em Manaus, mas não estavam atrelados a uma Rádio como o grupo As Pequenas Cantoras de Manaus, destacaram-se nos Boites dos clubes, principalmente do Atlético Rio Negro, mas não tiveram tanta expressividade e sequência de trabalho.
Um grupo que teve grande prestígio foi a Banda Feminina do Instituto Benjamin Constant: participou do concurso de bandas colegiais promovido pelo Ministério da Educação, em 1966, e conseguiu um segundo lugar em âmbito nacional. Na notícia do Jornal do Commercio, 29 de dezembro de 1966, a Irmã comemora o título, no tempo que o Instituto era administrado pelas freiras: “Disse a Irmã que fizeram jus a um prêmio de um milhão e duzentos mil cruzeiros e que com esse dinheiro mandaram preparar uma gravação com as quatro músicas as quais competiram no concurso”. A banda retornou com homenagens, estampando esta grande vitória e conquista nos jornais cariocas e da cidade.
Em 1967, iniciou um marketing voltado para as mulheres: a indústria cultural estava apostando numa demanda maior de vendas possibilitando o incentivo a mulheres no mercado artístico.
A notícia do Jornal do Commercio, 21 de maio de 1967, sobre a cantora Maura Moreira leva-nos a analisar que a indústria fonográfica estava apostando num mercado feminino e ao mesmo tempo mudando o papel da mulher no meio artístico, o próprio título da matéria é bem sugestivo: MULHERES E DISCOS.
Não só as Orquestras, os Bailes Hi-Fi, as Tertúlias dançantes que faziam parte do cenário musical em Manaus na década de 1960, a representação feminina na música estava presente nas diversas formas de tocar: banda, dublagem, entre outros, mas não tinha tanto espaço quanto os Ritmos e as Orquestras inicialmente.

A participação feminina neste cenário, apesar de mínima, foi bastante representativa num espaço dominado por orquestras e bandas, as cantoras se centravam em realizar os programas de auditório das Rádios, que estava no auge em Manaus, era o local onde os cantores mostravam seus talentos para trilhar numa carreira artística e ter como professores de música os grandes cantores da Rádio Nacional como Ângela Maria, Nara Leão, Sylvia Telles, Jair Rodrigues, entre outros.

A LENDA DA ILHA DE MARAPATÁ - MÚSICA E HISTÓRIA

“É Marapatá, porta de Manaus, é Marapatá, patati patatá”. Música de nossos compositores Armando de Paula e Anibal Beça que traduziram em canção a lenda da Ilha de Marapatá.
A ilha de Marapatá é conhecida como a Ilha da Consciência, está situada na foz do Rio Negro, no Estado do Amazonas. Segundo a lenda, é o limite da consciência do homem civilizado: quem sobe o Amazonas deixa a vergonha em Marapatá. Então, quantas histórias, estórias e lendas esta ilha esconde em seu dorso até hoje!!
A lenda diz que aquele que passava por ela estava se anulando de suas raízes, se eximindo de sua identidade cultural, ou seja, suas raízes culturais, suas atitudes e comportamentos se modificariam com o lugar, perdendo a vergonha, a moral. Na primeira estrofe, a música já alerta que esta ilha é misteriosa: Que doce mistério abriga teu dorso de ilha afogada no curso das mágoas? Que mana maninha que dança sozinha savana de seda pavana de cio. Campim canarana bubuia banzando, canção enrugada, banzeiro de rio.
Com o passar do tempo a lenda foi sendo modificada, mas sua essência de ilha misteriosa não foi descartada. Vejamos algumas mudanças desde Euclides da Cunha a Mario Ypiranga.
Euclides da Cunha, em suas viagens pelos rios da Amazônia já definia a ilha de Marapatá como tendo uma função preocupante, assustadora, dizia ele que era um local lazarento de almas na fantasia popular: quem chegava deixava sua consciência na ilha, ou seja, um local contaminado, as consciências eram contaminadas, as identidades culturais eram alteradas. Um exemplo: transformava um homem santo em um devasso. Essas trocas de identidades culturais do homem que se estabeleceu na Amazônia favoreceram que a lenda fosse mais enfatizada para justificar a mudança de comportamento para os advindos à terra do ouro branco. Como a história conta, o período da borracha foi uma época de muita riqueza e de muita solidão na selva: de queimar charutos com cédulas a comportamentos estereotipados que o local proporcionava.
Mario Ypiranga em 05 de outubro de 1963, no Jornal do Folclore, descreveu o mito através do Sr Rufino Santiago, que tinha uma serraria na enseada da ilha, desvendando o seu mistério: “trata-se de um duende meio homem meio bicho, nomeado Jumutimpora ou Iumutimpora, versão oposta do Mapinguari. Êsse Jumutimpora ao contrário de seus parentes quiméricos é inofensivo para certa casta de indivíduos e de uma periculosidade fatal para outros, conforme o caráter destes. Habita milenarmente a ilha misteriosa deslocando-se rapidamente. Não se interessa por pessoas de bons costumes, generosas, a quem auxilia, mostrando-se mesmo de uma prontidão corderil. De outro modo ataca e estigmatiza para sempre a quantos se ressentem de boas qualidades. Coisa notável, não devora as vítimas, apenas toma-as sob sua tutela pelo menos enquanto o freguês não se transforma moralmente. É um bicho bom, mas inimigo de pessoas trapaceiras”.
Hoje temos a música Marapatá que foi a maneira de conhecer esta lenda tão antiga na nossa cidade. A lenda traduzida em versos e música sobre o imaginário popular de um século atrás, mas o recado é o mesmo: Vá logo deixando senhor forasteiro a sua vergonha. Em Marapatá vergonha se verga na cuia do ventre, no V das ilhargas vincando por lá.[...] Mas dependendo da sua índole, o bicho que habita nela pode surgir e fazer você deixar a consciência e a vergonha na ilha. Talvez hoje este bicho bom esteja adormecido, mas quando acordar preparem-se os trapaceiros desta cidade!!!!

É Marapatá, porta de Manaus, é Marapatá patati, patata...