Como
já dizia Euclides da Cunha em suas viagens pela Amazônia sobre este paraíso perdido: “nos meios-dias
silenciosos, porque a noite são fantasticamente ruidosas”. A quantidade de
sons que emerge no meio da noite, vira música nas inspirações de nossos
compositores, que traduzem esta paisagem sonora em canção retratando a vida
sonora da floresta, expressando através da música as belezas da natureza que
clama pela sua preservação e narra as histórias reais, os mitos e as lendas
presentes no dia-a-dia da Amazônia.
Cantar a Amazônia já
faz parte da temática do cancioneiro amazonense: a fauna e a flora, a relação homem,
cidade e a natureza, a cultura ribeirinha e a linguagem cabocla dão o tom nas
composições e nas interpretações das canções dos compositores.
Estes aspectos são as
características das letras nas músicas de artistas em Manaus que podemos
encontrar representados no cotidiano da cidade, na vida do ribeirinho e nas
belezas da natureza. Podemos elencar alguns trechos de músicas que representam
estas características do canto da Amazônia:
Os que cantam a flora
e a fauna retratam a natureza, os animais, o balanço do banzeiro, o verde das
matas, enfim, como o trecho da música do grupo Raízes Caboclas: “Amazonas moreno, tuas águas sagradas, são
lindas estradas, são contos de fadas, oh meu doce rio, a canoa que passa, o voo
da garça, as gaivotas cantando em ti vão deixando o gosto de amar..”, ou retratadas nas poesias de Celdo Braga
“[...] nas vazantes borda praias onde o
rito se desova, aninha nos tabuleiros tartarugas tracajás. E no ciclo das
areias a vida eclode apressada pra ser de novo tocada pelo compasso do rio
[...].”
A relação homem,
cidade e natureza enfatiza o amor por esta terra e o cuidado que devemos ter
para preservar, há um forte sentimento de pertença, de orgulho e de preservação.
Chico da Silva canta esses sentimentos de
pertença “com as coisas tão puras, tão minhas [...]
tudo isso te faz com que eu não te deixe”; Adelson Santos pede pela
preservação “não mate a mata, não mate a
mata, a virgem verde bem que merece consideração”; Torrinho nos faz sentir orgulho
e dizer que Manaus “que nunca serás
Liverpool, com a cara sardenta e olhos azuis”. São sentimentos que
enfatizam o cuidado do filho da terra, como relata Lucinha Cabral: “sou caboquinha, da pátria d’água com muito
orgulho e farinha, sou poesia, cunhãtabim, disse o poeta maluco, olho d’água,
pedaço de mim.”
Um
aspecto a salientar é a vida do ribeirinho nas composições, dos costumes aos
hábitos que o homem ribeirinho possui para sobreviver em harmonia com a
natureza, como na canção de Ketlen Nascimento: “A canoa navega sobre as águas com o caboclo na proa a seguir, e o
canto dos pássaros entoa sinfonia que alegra o curumim, o uirapuru que rege a
melodia com o canto perfeito de se ouvir!! E os mistérios que adentram as
florestas que, o ribeirinho conta com prazer, ao seu filho ensina os valores
que a natureza tem a oferecer...”
A
linguagem cabocla se refere às palavras regionais que são normalmente faladas
no cotidiano como leso, pitiú, baré, bem
ali, tucupi, enfim, palavras que se tornam expressões como leseira baré, a mais
falada. Nicolas Junior faz um estudo dessas palavras em sua canção O Amazonês: "espia maninho, eu sou dessas paragens, das banda de cima do lado de cá, eu não sou leso, nem tico bodó, mas boto no toco se tu me triscá" (marrapá)
Estes quatro aspectos retratam o cancioneiro amazônico no que diz respeito a letra: enfatizando as características presentes nas canções - de uma poética rica em elementos da cultura amazônica e de valoração da identidade cultural.
A voz do homem,
então, se torna um prolongamento dos cantos da natureza, uma forma de
manifestar seus anseios diante de um paraíso sublimar e uma forma de expressar
a sua própria essência amazônica, de amor, de pertencimento e de valorização à
terra. A
Amazônia que cantamos é como a vimos e como a desejamos: nas formas de vida do
ribeirinho ao homem da cidade, do ciclo da natureza àquilo que o homem se
orgulha, preserva e pertence.
Nenhum comentário:
Postar um comentário